quarta-feira, 5 de maio de 2010

identidade goesa

Suponho que a identidade dum povo forma-se ao longo da sua história, através das respectivas instituições e manifesta-se pela sua maneira de ser e estar no mundo. Casas, oratórios, igrejas, templos hindus e muçulmanos, conventos, cruzeiros, jardins, monumentos, planeamento urbano e rural, monitorização e controlo das doenças infecciosas, os cuidados primários de saúde, assistência social e asilos, assistência hospitalar, leprosaria, a rede escolar, a defesa da biodiversidade, o controlo do crime, são réplicas do modelo urbanístico das cidades de matriz portuguesa. Na área lúdica pode-se falar em clubes de dança, instrumentos musicais, piano, bandolim, violino e  na canção tradicional goesa "mandó", clubes de futbol, e  o "dhirió", luta entre dois búfalos ou touros. Na alimentação temos  a comida vegetariana hindu, comida católica influenciada pela comida europeia portuguesa e a comida muçulmana; pratos como, sarrapatel, vindalho, chouriços de carne de porco, xacuti, arroz de caril; bebidas típicas locais, como, féni e urraca; conservas de frutas e doces; canja de arroz, que não se sabe se é de origem indiana, chinesa ou japonesa, que os navegadores portugueses  espalharam pelo Brasil e Portugal, sofrendo depois as necessárias modificações regionais. Foi com estes elementos que o  Estado  caldeou a maneira de ser e estar  do goês ao longo de centenas de anos e formou a sua identidade, através das normas sociais  e hábitos religiosos, incutidos pelo cristianismo e pelas suas ordens religiosas, como franciscanos, dominicanos, agostinianos e sobretudo jesuítas. Mas, naturalmente, os elementos anteriores ao Estado da Índia, de 1510 até 1961, também serviram para moldar a mentalidade do povo. É, pois de referir, também o contributo dos dravidianos, arianos, kadambas/maratas, bem como das religiões, como o hinduísmo, budismo, jainismo, islamismo. Goa é formada de Velhas Conquistas, desde 1510, como núcleo mais ocidentalizado, formado com casamentos entre europeus e indianas, incluindo também mais tarde as órfãs europeias portuguesas que para ali se deslocaram para se casarem com os nobres em Goa. No século XVIII este território expandiu-se com as Novas Conquistas, formando as actuais fronteiras de Goa, com sangue, suor e lágrimas. Em consequência desta mistura étnica e cultural, no século XVII a população de Goa  era classificada  em:  reinós, europeus naturais de Portugal e de linhagem nobre; castiços, descendentes de pai europeu e da mãe indiana branca; mestiços de cor mista, descendentes de pai europeu e da mãe indiana não branca; mulatos, mistura de europeu e mãe africana; canarins e indianos convertidos; escravos de origem africana, muçulmana e indonésia; hindus e muçulmanos. Para manter a coesão e coabitação destes grupos foi importante a política estatal, baseada em normas administrativas com valores universais da dignificação do homem, já aplicada na Metrópole, território português europeu, e de respeito às  tradições regionais de cada grupo, mas excluindo destas as práticas consideradas negativas, como sati -  sacrifício das viúvas quando da morte do marido na pira fúnebre e enganchados - sacrifício aos deuses, em que a vítima era içada através dos ganchos de ferro fixados nas suas costas, criando assim ao longo da sua história harmonia comunal, respeito mútuo e aceitação harmoniosa de todos os grupos sociais. É disso exemplo, a codificação dos direitos e dos costumes feita por Afonso Mexia:  "Foral dos Usos e Costumes dos Gauncares e Lavradores da Ilhas de Goa e outras anexas a Ela de 1526".," Foral dos Foros e Contribuições de Taxas de 1541", mais tarde Regimento de 1753, "Decreto de 1836: Código das Associações das Vilas de 1908" e o "Código Civil Português de 1867/Código Seabra". A língua concani com a introdução da tipografia pelos jesuítas em meados do século XVI em Goa, passou a ser escrita com o uso do alfabeto português, a par da língua oficial portuguesa em expansão, através das ordens religiosas, sobretudo dos jesuítas, e depois com a rede oficial de cobertura escolar, à partir da  década de 1950 até 1961, ano da queda da Índia Portuguesa. O  direito da cidadania portuguesa concedido inicialmente apenas aos convertidos ao cristianismo expandiu-se com o liberalismo nos meados do século XIX e com o republicanismo português a partir de 1910, independentemente da religião, verificando-se assim uma administração quase na sua totalidade formada pelos naturais do Estado da Índia Portuguesa.
Dentro do processo identidario goês é de realçar as seguintes personalidades de origem goesa, no século XVII, bispos D. Mateus de Castro, de Divar;  D. Tomás de Castro, de Divar,  D. Custódio de Pinho, de Vernã., D. Rafael Figueiredo, de Margão e o Pe. José Vaz, de Benaulim. No século XIX, bispos, D. Vicente de Rosário Dias, de Raia,  D. Caetano Pereira, de Divar,  Pe Agnelo,  José Custódio de Faria (Abade Faria) de Candolim, hipnotizador. No século XX Cardeal Valeriano Gracias, de Navelim. Na litearatura, no século XIX, Francisco Luís Gomes, de Navelim,  deputado por Goa em Lisboa em 4 legislaturas, e no século XX Paulino Dias, Nascimento Mendonça, Adeodato Barreto, Judite Beatriz de Sousa, Vinola Devi e Orlando Costa.
São de realçar já no século XIX a Escola Médica, Escolas Técnicas, Normais e dos Pilotos, o 1º Liceu Afonso de Albuquerque, e  as 1ªas comunicações cabo submarino Lisboa - Goa e Caminho-de-Ferro ligando o Porto de Murmugão  à Índia Inglesa, e Templos hindus de Manguexi, Mardol, Bandorá, Sirodá, etc., Festividades Hindus, como Divali, Festas de S. Francisco Xavier, em Velha Goa, de Nº Srª de Brotas na Ilha de Angediva, Natal,  Carnaval,  etc. Em 1954 o Aeroporto de Dabolim ligando Goa a Lisboa. 
Para destinguir o goês formado através deste processo histórico, parece que foi usado o termo de "outsiders" aos imigrantes indianos em Goa, de outros partes da Índia. Este termo "outsider" consolidou-se com o assassinato duma jovem goesa de 24 anos de idade, chamada Tanuja Naik, a 15 de Julho de 2002, quando os  conterrâneos da sua aldeia acusaram os trabalhadores  vindos do interior da Índia como os responsáveis pelo crime. Goês e outsiders, ambos são indianos, porque fazem parte do território da Índia, dividido em Estados diferenciados devido a sua língua e cultura, assim como todos os povos da América são americanos, da Europa são europeus, da África são africanos e da Ásia são asiáticos. No contexto político indiano, Goa, Damão e Diu, sendo até 1961 territórios lusófonos, sofreram um processo de aculturação diferente do resto da Índia anglófona. A substituição da lingua portuguesa pela língua inglesa depois de 1961 em Goa, Damão e Diu, após a queda do Estado da India Portuguesa,  criou um corte com o seu passado histórico multi secular de cultura indo-portuguesa, escrito em português, língua que a actual geração goesa não domina e como tal não é capaz de ler e interrepretar as fontes documentais,  dando assim origem ao processo de formação duma nova identidade, como um dos Estados da União Indiana de cultura anglófona. Na década de 1960 Goa, Damão e Diu tinham à volta de 600 000 habitantes. Actualmente, sem contar com Damão e Diu,  só Goa tem uma população estimada em 1 300 000 habitantes. Pode-se daqui concluir que mais de metade da população goesa veio dos outros estados da União Indiana. Estes dados permitem também concluir que a distinção usada de goeses e outsiders não tem razão de ser, pois a língua usada de entendimento comum na Índia é a língua inglesa. Abortada a cultura indo-portuguesa e a sua alma, o seu lugar é ocupado por uma nova cultura ainda em génese.